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I Have Nothing

by Trieb

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about

I Have Nothing surgiu quando, há alguns anos, eu estava vendo um desses programas de auditório tipo The X Factor, tarde da noite, com minha irmã, e uma moça das Filipinas chegou e arrasou muito cantando a música. E, na hora, me veio o estalo de gravá-la. Eu já vinha preparando isso havia muitos anos, acho. Lembro que meu professor de canto, lá na época da minha primeira banda, a Ankhalimah, era apaixonado pela Whitney (como cantora) e ficávamos vendo repetidas vezes ela cantando Star-Spangled Banner no Super Bowl de 1991 (e eu sempre ficava arrepiado). Eu sempre fui encantado pelas divas da música pop, de Whitney a Britney, passando por Madonna, mas com a Whitney era outra parada. Ninguém nunca cantou como ela e ninguém nunca mais vai cantar. Essa é a minha pequena homenagem à maior intérprete que a Terra já teve.

I Have Nothing fez parte do meu primeiro contato com a Whitney, na verdade. Eu lembro que, quando era criança, via repetidas vezes o filme O Guarda-Costas e já sentia o poder daquela narrativa. Junto com os Batman do Tim Burton, era o meu filme favorito (talvez eu fosse uma criança um pouco precoce). Essa imagem do amor ressoa forte em mim até hoje, e eu associo sempre ela com o amor cortês do medievo (juro que não vou dar spoilers, vejam o filme), uma coisa que soa datada hoje, mas que é ainda a representação de uma pura existência para mim, em uma época onde estamos cercados por complexos normativos que tendem a eliminar a ideia de uma vida intensiva. E, à época, eu também vivia uma vida intensiva, a vida de uma criança - então tudo aquilo fazia muito sentido para mim, ainda mais pelo fato de eu ter crescido em uma família com pais profundamente apaixonados um pelo outro. Eu acho que a minha música, de uma forma geral, e essa música especialmente, claro, é uma forma de tentar preservar esse desejo que vence o mundo, se necessário for.

I Have Nothing é perfeita do jeito que é. Vamos começar por aí. Junto com I Will Always Love You (música originalmente gravada por Dolly Parton e que foi regravada pela Whitney), são duas das melhores músicas já feitas e talvez as representações definitivas do romance na década de noventa, e a Whitney foi escolhida como veículo para nos transmitir essa mensagem. Só que, se a Whitney deu a forma à mensagem, eu resolvi trazer essa forma para uma língua que, afetivamente, me era mais próxima: o country. Sempre encontrei no country uma língua hábil para traduzir os meus sentimentos íntimos, um pouco como acontece com a bossa nova. Quando quero tratar de amor, sempre recorro a um desses gêneros. A diferença é a intensidade. Só o country poderia manter a intensidade do R&B.

I Have Nothing tem como capa a arte que Edward Okuń fez para os volumes 20/21 (de 1903) da revista literária polonesa Chimera. Okuń era um pintor genial associado ao movimento Jovem Polônia e esta arte, popularmente pensada como uma representação da Noite, representa bem a suavidade confortável, gostosinha, somada à ideia de uma vastidão épica que esta música me passa. Como a noite, ela me conforta ao fazer com que eu me sinta pequeno diante de seu poder.

I Have Nothing é a música principal do filme O Guarda Costas, com o Kevin Costner e Whitney Houston, que formam um par romântico. Foi uma experiência revê-lo. É muito melhor do que eu lembrava. O estoicismo existencial orientalizado de Frank (Costner), que se pensa como um samurai, mas é, a bem da verdade, um cavaleiro bem na tradição ocidental do romance cortês, é particularmente exemplar de como Hollywood constrói suas imagens de heroísmo. Ao mesmo tempo, a mulher sexualmente liberta que, no entanto, anseia proteção, segue na mesma toada.
Esta espécie de narrativa, muito livre dos parâmetros hoje considerados socialmente adequados, tem problemas, mas também tem seu poder. Não é possível imaginar hoje filmes como os Batman de Tim Burton sendo feitos, filmes que, de tantas formas, são mais esteticamente adultos que os Batman atuais (apesar de os Batman atuais serem tematicamente bastante adultos). E, no entanto, tudo isso esteve presente na minha infância e aparece, de alguma forma, nessa música, que é um testamento a essa época bastante importante da vida de todos nós.

I Have Nothing é uma música country, apesar de o seu final ser totalmente Metal. E eu sempre gostei de country. Lembro da fita do meu pai que tinha Chitãozinho e Xororó com Billy Ray Cyrus cantando She’s Not Crying Anymore, que a gente entremeava com a fita do The Myths and Legends of King Arthur and the Knights of the Round Table, do Wakeman, e que eu me amarrava. Depois veio o John Denver, um dos maiores músicos da história, na minha opinião (Country Roads é minha escolha certa em karaokês). Mas, curiosamente, acho que foi só quando eu conheci o Bon Jovi que eu percebi o quanto eu curtia country. Das influências dele, são as que mais me pegam (e o Lost Highway é um guilty pleasure). Daí para frente, o country foi se fazendo cada vez mais presente na minha vida, combinado ou não com o Metal. Cody Jinks tá aí para provar que esse espaço de interação existe muito.

I Have Nothing dialoga com muitas músicas que já fiz. Ela dialoga diretamente com The House that We Built, que vai ser lançada em agosto, e com Expectations, por conta do tema do amor, dialoga com Hotel California, por ser um cover, mas acho que, mais do que tudo, ela abre portas. Desde que fiquei sozinho na Trieb, decidi fazer com o projeto o que eu quisesse. Montaigne disse que seu objetivo ao escrever os Ensaios era fazer com que seus amigos se lembrassem de como era conversar com ele, tê-lo em suas presenças. Eu não sou um bom conversador, mas eu acho que meu gosto fala (não sei se bem ou mal kkk) por mim, então é isso que eu pretendo com a música, além de expandir as fronteiras da Trieb. Apesar de existirem outras músicas ecléticas no álbum, é com o cover que, creio, trago mais minha personalidade à presença daqueles que me ouvem.

I Have Nothing, para além de me levar para um lugar muito bom, também me lembra diversos filmes. Já falei dos Batman do Tim Burton, mas marcante dessa época também é o Don Juan DeMarco, com Johnny Depp e Marlon Brando. Esse filme é uma revisão absoluta da história, que é recontada como uma possível ilusão de um paciente psiquiátrico, mas, mesmo assim, doce, diferente do caráter perverso do Don Juan original. A forma como Don Juan aqui, mais do que conquistar, se deixa ser conquistado e acaba, com isso, ensinando ao seu psiquiatra o amor, me lembra uma referência de Agamben em Estâncias à noção de poesia como um possuir sem nunca conhecer e da filosofia como um conhecer sem nunca possuir. Isso é curioso porque a palavra latina studio significa paixão romântica. De qualquer forma, esse filme é uma estância na qual os amantes podem se encontrar, um locus amoenus como o comentado por Agamben ao fim de seu O Aberto.

credits

released June 18, 2022

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